Dama dos versos
Se minhas palavras te alcançarem, então você me encontrou.
Textos
A que escolheu o silêncio
No começo, ninguém notou.
Era só mais uma garota quieta demais num mundo que grita o tempo inteiro.
Acharam que era timidez. Trauma. Frescura, talvez.
Mas ela não estava calada por medo.
Estava calada por escolha.

O nome dela era Elisa.
Mas depois do segundo mês sem pronunciar uma única palavra, passaram a chamá-la de “a muda”.
Como se o silêncio roubasse dela até o direito de ser chamada como nasceu.

No terceiro mês, os amigos começaram a desistir.
“A gente tenta, mas é impossível conversar com quem não fala.”
Como se ouvir não fosse também uma forma de estar presente.
Como se a ausência de palavras fosse ausência de presença.

Elisa se levantava cedo, penteava o cabelo, olhava o mundo com uma calma que assustava.
Dava bom dia com um aceno, agradecia com o olhar.
Escrevia quando necessário, mas evitava até isso.
Preferia o som da chaleira fervendo à barulheira das promessas humanas.
Era um silêncio inteiro não o de quem não sabe o que dizer,
mas o de quem já disse tudo e ninguém escutou.

O pai dizia: “isso é uma fase.”
A mãe chorava escondida no quarto.
A terapeuta marcava consultas e monólogos.
Mas Elisa não se tratava ela se curava.
Porque o silêncio dela não era ferida, era cicatriz.
Era tudo que restava depois que palavras demais foram gastas tentando ser entendida.

Ela havia falado por amor.
Por dor.
Por desespero.
Por raiva.
Até que um dia, sozinha no quarto, ela entendeu:
ninguém escuta quem fala com o coração.
Só ouvem quem grita, quem performa, quem agrada.
Então, ela parou.

Parou para se proteger.
Parou para se vingar.
Parou porque percebeu que seu silêncio fazia mais barulho que todos os gritos juntos.

Um dia, alguém se aproximou
um estranho com olhos cansados, talvez mais ouvinte do que falante.
Sentou ao lado dela no banco da praça.
Não perguntou por que ela não falava.
Não tentou quebrar o silêncio.
Ficou ali.
Presente.

Elisa não disse nada.
Mas pela primeira vez em muito tempo, quis.
Não para responder, não para explicar,
mas porque ali, talvez, enfim...
alguém a escutaria.
Cam Vellore
Enviado por Cam Vellore em 30/05/2025
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